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28.9.21

Brasil foi o pior lugar para ser escravo, afirma autor de 'Bahia de Todos os Negros'

 A obra traz relatos de insurgências e depoimentos detalhados de estrangeiros que visitavam o país na época que, segundo o autor, permitem concluir que "o Brasil foi o pior lugar para ser escravo".

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) — Os anos 1800 foram determinantes para os rumos da história negra no Brasil. Abolição da escravatura, movimentos separatistas liderados por negros e rebeliões de escravos pipocavam em todo o território brasileiro então. Mas um lugar, em especial, era um barril de pólvora para os donos de escravos – a Bahia.

"Em outros estados do Brasil também aconteciam rebeliões, mas a Bahia tem uma peculiaridade", afirma o pesquisador e jornalista Fernando Granato, que narra esse contexto no recém-lançado "Bahia de Todos os Negros: As Rebeliões Escravas do Século XIX", publicado pelo selo História Real, da editora Intrínseca.

Segundo ele, o estado "recebia navios cheios de escravos vindos de Angola e Costa da Mina". "Nesses lugares havia muitos conflitos étnicos. Então os pretos que chegavam escravizados à Bahia eram experientes em guerras."

A obra traz relatos de insurgências e depoimentos detalhados de estrangeiros que visitavam o país na época que, segundo o autor, permitem concluir que "o Brasil foi o pior lugar para ser escravo".

Granato defende o argumento com a tese de que o Brasil era uma terra vista apenas para exploração de seus recursos naturais. "Nos Estados Unidos, por exemplo, os colonizadores iam não só apenas para enriquecer, mas também para morar. Já no Brasil, eles usaram a escravidão como máquina de fazer dinheiro de uma maneira extremamente perversa", afirma.

O processo de abolição tardia exibiu ainda uma República cruel até para os olhos de colonizadores. "Enquanto em outros países animais já eram usados como transporte de pessoas e cargas, no Brasil os negros ainda eram usados no lugar dos bichos, mesmo depois da abolição", afirma o jornalista, também autor dos livros "O Negro da Chibata", de 2000, e "João Cândido", de 2010.

Os reflexos desse tratamento perduraram por anos. Um exemplo disso foi a "criminalização da vadiagem", imposta pela República em 1889, um ano depois da Lei Áurea. Era uma forma de o governo prender e matar negros por qualquer motivo.

Essa imposição se tornou lei em 1942 e foi muito usada como pretexto para encarcerar músicos e sambistas. A legislação só foi extinta em 2012, após a aprovação de um projeto de lei na Câmara dos Deputados.

"Em Paraisópolis, por exemplo, no episódio do massacre de pessoas em um baile funk [há dois anos], a polícia mostra que até hoje essa é a visão do Estado. Para eles, o ritmo é uma prática a ser reprimida. É algo próximo da bandidagem. Em paralelo a isso, no livro, eu pus um relato de como as pessoas viam as músicas e danças negras. Eles a encaravam como um caminho para a perversão e libertinagem, parecido com como enxergam a cultura negra hoje", afirma o autor.

Entre músicas e insurgências, um personagem ganha destaque na obra de Granato –Luísa Mahin, mãe do abolicionista Luiz Gama, possivelmente deportada do Brasil após uma rebelião. Ela é retratada como uma pioneira do feminismo organizado no país e ganha longas páginas dedicadas a sua história.

Um capítulo é dedicado à vida de Luiz Gama, mostrando como o libertador de escravos era amado em São Paulo. Sobre o fato de o personagem agradar hoje tanto à direita bolsonarista quanto à esquerda, o escritor diz que "Gama era uma pessoa que acreditava na lei, mesmo em último caso". 

"Talvez por isso pessoas como Sérgio Camargo [atual presidente da Fundação Cultural Palmares] gostem tanto dele. Mas vale lembrar o que Gama também disse, 'o escravo que mata o senhor, mata sempre em legítima defesa'."

A obra detalha também a Revolta dos Malês, de 1835, e o movimento separatista Sabinada, em 1837, descrevendo pormenores da tentativa de independência da Bahia.
Outra curiosidade destacada no livro é o legado islâmico deixado na Bahia. "As vestes brancas das baianas, o turbante, o bloco Ilê Aiyê, tudo isso são resquícios das culturas muçulmanizadas no povo baiano", diz Granato. "É comum se pensar no catolicismo ou no candomblé, mas, em muitos lugares no território baiano, os terreiros, igrejas e mesquitas eram muito próximos."

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