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7.10.22

Médicos que prescrevem tratamento com derivados de maconha viram alvo de processos

 Em 2014, a Anvisa (Agência de Vigilância Sanitária) autorizou pela primeira vez a importação de CBD (Canabidiol, substância não psicoativa derivada da Cannabis) para tratamento.

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) — A demora do CFM (Conselho Federal de Medicina) em atualizar suas regras sobre o uso de substâncias derivadas da Cannabis tem deixado médicos que receitam esse tipo de tratamento expostos a processos.

Em 2014, a Anvisa (Agência de Vigilância Sanitária) autorizou pela primeira vez a importação de CBD (Canabidiol, substância não psicoativa derivada da Cannabis) para tratamento e, desde então, vem ampliando a gama de medicamentos permitidos.

Mas o CFM, que regula a atividade médica no país, não tem acompanhado a agência nessas mudanças. Na prática, isso significa que os profissionais de saúde legalmente podem receitar os tratamentos com base em substâncias da cânabis, mas correm o risco de serem processados pelos conselhos regionais de medicina por isso.

No limite, essas ações podem levar até a cassação da inscrição profissional, impedindo a pessoa de exercer a medicina no país — embora, até hoje, não exista registro de que alguém de fato tenha sido punido dessa forma.

A questão gira em torno da norma 2113 do CFM, publicada em 2014 e que classifica a Cannabis como terapia experimental.

"Como não havia estudos científicos de grande impacto que comprovassem o tratamento, o CFM se viu na obrigação de orientar os médicos", diz o neurologista Lécio Figueira Pinto, vice-presidente da Associação Brasileira de Epilepsia. "Por isso, editou a norma 2113, que depois de oito anos precisa ser atualizada."

A regra orienta o tratamento apenas em casos de epilepsia infantil refratária (que não responde ao tratamento convencional) e congênita. Também limita a prescrição a neurologistas e psiquiatras. Na prática, porém, as substâncias são indicadas por médicos de diversas especialidades e para outras finalidades não previstas, como câncer, dor crônica, e depressão.

Procurado pela reportagem, o CFM não informou o número de sindicâncias ou processos abertos devido à prescrição de Cannabis. Assim, os casos acabam sendo divulgados pelos próprios médicos, em geral nas redes sociais.

Foi o que aconteceu com Paulo Fleury, 58, especializado em medicina preventiva e social, autor de uma pesquisa sobre a eficiência da Cannabis no tratamento de crianças autistas.

"Eu estou sendo processado no Conselho Regional de Medicina em dois estados, por receitar maconha, canabinóides, THC e CBD. E por divulgar esta alternativa terapêutica para diversos problemas de saúde, em especial, para o autismo", escreveu ele.

Conhecido como Dr. Green pelos internautas, Fleury costuma fazer conferências pelo Brasil sobre a terapia canábica e defende abertamente o plantio da Cannabis para o uso medicinal.

Vitor Ceribino, advogado de Fleury, explica: "O Cremeb (Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia) abriu sindicância porque ele prescreveu Cannabis para autismo, divulgou o tratamento em redes sociais e prescreveu fora do estado de atuação".

O médico é de Minas Gerais e receitou na Bahia. Para fazer isso, precisaria de uma autorização especial temporária, que ele não tinha.

Para o advogado, essa determinação perdeu sentido depois que a telemedicina foi liberada pelo CFM. Fleury é acusado também de apologia às drogas. O conselho da Bahia diz que a investigação segue em sigilo.

A segunda denúncia contra o médico foi no conselho do Paraná, e já evoluiu para um processo. A entidade também disse que não pode dar informações sobre o caso.
Para Fleury, as atuais regras do CFM estão defasadas e não refletem mais a realidade.

Para resolver esse descompasso, o conselho realizou uma audiência pública sobre o tema e pediu que os médicos se manifestassem sobre possíveis mudanças. Mas enquanto a reformulação não for aprovada, a norma atual segue em vigor.

O CFM também afirmou que não iria se manifestar sobre o assunto e não quis detalhar quais as alterações que estão sendo analisadas.

Desde que o conselho publicou a primeira norma, há oito anos, houve um boom de estudos sobre o tema. Só na base da PubMed, plataforma que reúne pesquisas científicas publicadas, há 28 mil trabalhos sobre o assunto.

"O CFM deveria ter atualizado a norma em 2016", diz a psiquiatra Eliane Nunes, diretora da SBEC (Sociedade Brasileira de Estudos da Cannabis).

Ela responde a uma sindicância por ter receitado óleo com THC (Tetrahidrocanabidiol, substância com efeito psicoativo derivada da maconha) para um paciente — que, logo depois, ganhou no STJ (Superior Tribunal de Justiça) o direito de cultivar a planta para produzir o próprio óleo.

O oftalmologista Renan Abdalla, 38, da clínica paranaense Renasce, é outro que responde processo por não ter a especialidade exigida para prescrever a substância.

"A denúncia aconteceu logo depois de o filho de um paciente postar nas redes sociais sobre a melhora do glaucoma do pai com a Cannabis", diz o médico. "Vivemos em insegurança jurídica, enquanto esperamos a atualização da norma, tanto para pesquisa científica como para a prática clínica."

Para Pinto, o CFM terá que ampliar o leque de doenças tratadas com Cannabis, mas é preciso alguns cuidados.

"Há pacientes que procuram o médico para conseguir uma prescrição de Cannabis e não para receber um diagnóstico, resultando em uma inversão perigosa para a saúde", diz o neurologista. "Existe uma alta demanda de pacientes e, em alguns casos, abusos na prescrição".

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