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14.6.19

Petróleo e poder: o homem que está botando fogo no Golfo

Teria o líder supremo Ali Khamenei a suprema cara de pau de chancelar ataques clandestinos contra dois petroleiros, sendo um deles japonês, exatamente no momento em que o primeiro-ministro Shinzo Abe visita Teerã na tentativa de acalmar ânimos e, principalmente, garantir o abastecimento de petróleo sem o qual o Japão para?
A resposta, em uma palavra, é sim.
Um dos navios, de bandeira norueguesa, ficou à deriva, em chamas, no Golfo de Omã. O Kokuka Courageous, o japonês, que levava metanol da Arábia Saudita para Singapura, sofreu um buraco no casco, acima da linha d’água.
O preço do petróleo subiu 4% e o mundo inteiro ficou olhando para os Estados Unidos. Tendo reforçado a presença militar no Iraque há exatamente um mês e ameaçado o Irã das piores coisas possíveis se sair da linha, Donald Trump tem que dar uma resposta à altura dos novos ataques.
Garantir o livre trânsito de petróleo pelo Golfo Pérsico, incluindo o gargalo do Estreito de Ormuz, é um dos fundamentos que tornam os Estados Unidos a superpotência dominante.
E permite a todos nós não passar noites em claro, à espera do abismo que nos engoliria se houvesse uma crise no abastecimento mundial.
O contexto mais recente da encrenca é conhecido: Trump saiu do acordo de contenção nuclear do Irã, exatamente como havia prometido fazer, e apertou os formidáveis parafusos das sanções econômicas.
Como o dólar é a moeda padrão e todas as transações passam por ele, quem quiser comprar petróleo do Irã está sujeito a medidas punitivas.
Só um exemplo: o Standard Chartered, banco com sede em Londres, “aceitou” pagar no começo do ano, em acordo com a justiça, uma multa de 1,1 bilhão de dólares por causa de transações feitas com o Irã por seu ramo em Dubai em 2012. E ainda pediu desculpas.
Estrangulado, o regime iraniano tenta de tudo. “Cooptar” países europeus para um entendimento em separado – veja-se multa acima para imaginar o resultado – e ameaçar represálias subreptícias que vão desde os ataques “anônimos” a petroleiros até uma série de armadilhas para fazer Israel se confrontar, sem querer, com a Rússia no teatro bélico da Síria.
Um passo além, seria usar seus asseclas entre as múltiplas milícias xiitas no Iraque para atacar diretamente militares americanos.
É claro que uma afronta assim mudaria o quadro atual, que já não é nada tranquilizador.
Como não dá para esperar a realização do sonho dos aiatolás – uma derrota de Donald Trump na tentativa de reeleição do ano que vem, com a certeza de que um presidente democrata voltaria correndo para o acordo nuclear -, a tática dos confrontos de baixa intensidade, principalmente para apavorar os petroleodependentes, está se desenrolando.
Absolutamente qualquer planejamento, decisão e execução final passam pelo aval de Ali Khamenei, o segundo líder supremo, como nas antigas charges de marcianos desembarcando na Terra, desde o principal arquiteto da revolução dos turbantes, o aiatolá Khomeini.
Aos 80 anos, ele está vendo o plano declarado de destruir Israel ainda um pouco longe da realização e as vicissitudes do regime teocrático ameaçando sua sobrevivência até o fim dos tempos – o que aconteceria, na escatologia xiita, com a volta do imã reverenciado como o décimo-segundo e último de sua linhagem, tendo entrado em estado de “ocultação” no século X.
Ao contrário da austera tradição dos líderes religiosos xiitas, Ali Khamenei não tem nada da figura monacal que apresenta ao mundo.
Segundo desertores de alto escalão, ele adora caviar do Mar Cáspio, tem mais de cem cavalos de raça, coleciona bengalas antigas, usa mantos tecidos com pelos de uma raça especial de camelos e usa nada menos do que seis palácios, sendo dois que pertenceram ao deposto xá do Irã. E adora piadas sujas.
Fora as piadas, tudo isso é bancado por uma mistura entre público e privado. Grandes propriedades, fábricas e imóveis confiscados de iranianos que fugiram ou foram obrigados a fugir do país foram incorporados a uma organização chamada Central de Execução das Ordens do Imã, conhecida como Setad em farsi.
A organização instala energia elétrica e constrói casas para a população carente, mas a falta de barreiras entre o que é “nosso” e o que é “deles” construiu para Ali Khamenei e sua família um pote de ouro calculado em estarrecedores 200 bilhões de dólares.
A família tem investimentos em todos os setores da economia iraniana e, através de empresas de fachada, em fábricas na Europa, operadoras de celular na África e outras minas de ouro.
O dinheiro aumenta o poder de Khamenei – assim como as gravações de conversas de inimigos e, principalmente, amigos que, segundo um ex-guarda-costas, ele ouve diariamente por pelo menos vinte minutos.
Enquanto tantos órgãos de imprensa mundiais acham que Donald Trump é autoritário (sem contar que acredita que a Lua faz parte de Marte), o líder supremo iraniano e chefe de Estado, comandante-chefe das Forças Armadas, tem poder de baixar decretos sobre assuntos religiosos, econômicos, ambientais e de relações exteriores. Jornalistas acusados de ofendê-lo podem ser presos e condenados a chibatadas.
Khamenei tem os movimentos do braço direito prejudicados por sequelas do atentado a bomba – escondida num gravador diante de seu pódio numa mesquita- em 1981o, quando grupos ultraesquerdistas ou anticlericais ainda tentavam se rebelar contra o regime teocrático dos aiatolás.
Em manifestações recentes, devidamente reprimidas, têm surgido os gritos de “Abaixo o ditador”, com referência a Khamenei. Além de um quase inacreditável “Morte à Palestina”, além de “Não a Gaza e ao Líbano” e “Fora da Síria”. Todos são referências às intervenções bancadas, com dinheiro, ideologia e, no caso da Síria, vidas, pelo regime teocrático.
Como líder supremo e autoridade máxima dos xiitas que seguem a linha do décimo-segundo imã – dodecadêmicos -, Khamenei tem que ser um exemplo, ou “marja”, a ser imitado e reverenciado por todos os fieis.
Algumas correntes xiitas da mesma linha, em especial no Iraque, não aceitam que ele tenha credenciais religiosas para ser um grão-aiatolá, o grau máximo da hierarquia, que é mais verticalizada do que entre os muçulmanos sunitas.
Com uma cirurgia por câncer de próstata e um futuro não muito longo pela frente, Khamenei terá se tornado mais agressivo e não mais sábio com a idade? Estará disposto a tocar fogo no Golfo Pérsico para salvar seu legado? Vai peitar Donald Trump?
Petróleo, religião e poder nunca garantiram um minuto de tranquilidade ao Irã em quase cinquenta anos. Espalhar instabilidade além-fronteiras tem sido a vingança dos aiatolás.
Khamenei tem que decidir se deixará mais ódio e destruição como herança.
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